04 maio 2007

Ao acordar...




Olhou pela janela.
Lá fora estava uma manhã de Outono.
Uma manhã como tantas outras - o chão estava ainda molhado da humidade que caíra durante a noite, mas o sol começava a aparecer por entre as nuvens.

Estava na hora. Era o começo de mais um dia.
Sorriu.
A praça esperava por ele. Ele era o Homem Estátua que, diariamente, animava as manhãs de todos quantos viviam, passavam e trabalhavam naquela praça.

Começou por vestir aquela que era a sua farda de todos os dias: camisa branca, calças e casaca pretas, um grande laço vermelho e um velho chapéu alto. Depois, com todo o cuidado, iniciou o ritual que envolvia a pintura da cara. Primeiro que tudo os olhos. Era a parte mais delicada e aquela que lhe merecia mais cuidados. Depois, toda a face se preenchia com o branco da pintura. Para o fim ficava a boca, pintada de negro, o mesmo negro que cobria as sobrancelhas e que desenhava a grande lágrima que lhe cobria a face esquerda.

Já estava pronto.
Antes da pintura comera algo, que lhe acalmara o apetite matinal, e puxara o lustro aos sapatos de verniz que completavam a sua indumentária. Pegou no banco e na pequena mala de viagem coberta de autocolantes. Estes eram os elementos que compunham o seu cenário e que o acompanhavam sempre no palco.

Bateu a porta. Desceu as escadas de madeira.
Morava num prédio antigo onde as escadas rangiam e cheiravam intensamente a cera e a madeira antiga. Havia um pequeno elevador, daqueles que se vêem nos prédios tão antigos como aquele. Mas o deste prédio não funcionava há alguns anos. As sucessivas avarias, a inexistência de peças e a incapacidade dos moradores para pagar a substituição do mesmo, levaram a que o velho elevador metálico permanecesse desde então parado e trancado no rés-do-chão daquele prédio onde morava o Homem Estátua.

Chegado à rua, apressou o passo. A manhã estava fria, mas o Homem Estátua nem sentia. Enquanto caminhava ia pensando no “seu” público: os garotos que passavam a caminho da escola e que se entretinham a fazer-lhe caretas, tentando dessa forma sacar-lhe um movimento ou um piscar de olhos; as donas de casa que passavam a caminho da mercearia e que o olhavam com curiosidade, tentando talvez saber o que leva alguém a ter por ocupação ser homem estátua numa praça como aquela; e os homens e mulheres, apressados a caminho dos transportes que os levavam aos empregos.


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Esta noite sonhei com o AR-tur.Este foi o meu sonho...



Desde que ele começou a aparecer no Largo que tento imaginar como será a vida dele longe deste palco onde a minha oliveira ocupa o lugar central e de onde assisto todos os dias à sua actuação.


Agora vou ver se ele já chegou.

O sol brilha lá fora e a agitação já anima o Largo.

Vou espreguiçar-me para perto do AR-tur.
Está na hora de comer algo e, dentro daquela mala coberta de autocolantes, há sempre uma gulodice para mim.

Miauuuuuuu!

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